Tenho que contar essa história, mas não posso citar os nomes.
No final da década de 90, quando o google não existia e o yahoo era a grande revolução, as pessoas acessavam a Internet com modems que ocupavam a linha telefônica, e aí não dava para telefonar pra ninguém. Além de pagar a ligação telefônica, tinha que pagar um valor para o “provedor”, e os valores eram bem altos, coisa de 50 reais por mês, em valores de 1998. Tipo uns 120 reais hoje (pelo IPCA).
Em 1999, um grande provedor americano chegou ao Brasil: era o AOL, sigla de “America On Line”. Seu modelo de negócios funcionou muito bem nos EUA durante os últimos 10 anos: navegador próprio, conteúdo próprio, e navegação por palavras-chave. Fazia todo o sentido, pois até então, o sucesso eram os grandes BBS's (que, simplificando, eram grandes fóruns de usuários).
Só que a tecnologia estava mais madura do que isso. A Internet como conhecemos estava se difundindo, o conteúdo próprio dos BBS's iria ficar pequeno perto do oceano de informações da Internet aberta, e, muito logo, os provedores gratuitos viriam a aparecer (e depois a banda larga), tornando os conteúdos próprios verdadeiras irrelevâncias digitais.
A AOL tinha uma estratégia de marketing bastante agressiva: distribuir seu CD de acesso massivamente. Cada jornal ou revista que você comprasse tinha o bendito CD. No caixa do wal-mart, a moça te entregava também um CD. Na sua caixa de correio, frequentemente aparecia um CD deles. Era tipo spam, mas de alguma coisa física.
O tal CD continha um instalador que configurava seu discador para ligar pra AOL, modificava seu navegador, e fazia outras modificações indesejadas no seu computador. Era um tormento. Às vezes vinha um antivírus ou um dicionário eletrônico de brinde... fora isso, era uma inutilidade só. Ninguém mais queria esse CD.
Bom, essa é a história que todo mundo conhece.
O que ninguém sabe é que antes da chegada da aol por aqui, um eminente empresário brasileiro e seu pai registraram o domínio aol . com . br, e criaram um provedor de acesso discado chamado “américa”, com acento.
Nessa época, muita gente trazia computadores na bagagem das viagens ao exterior (eua), e esses computadores vinham com – ele mesmo – um CD da AOL americana. Essa estratégia também era usada lá.
O que ninguém iria querer fazer, era uma ligação internacional de modem (sujeita a não funcionar), para navegar num conteúdo desconhecido, e pagando taxas altíssimas.
Mas aí a propaganda do tal provedor brasileiro já estava feita. Se o provedor era o “américa”, teoricamente “américa online”, abreviado por “aol”, podia usar o aol . com . br. E a autoridade brasileira para domínios de internet não podia fazer nada. A regra é simples: é de quem chegar primeiro (salvo marcas notórias).
(Esse provedor aí também seguia a filosofia de BBS, e, por motivos de faturamento, desconectava todo mundo às 5h da manhã. Isso foi algo que eu nunca entendi...)
Bem, a AOL, quando chegou ao Brasil, tentou fazer acordos com o tal empresário, oferecendo quantias vultosas pelo domínio, mas sem acordo. Houve processo na justiça, e tal, e o que eu sei é que o provedor brasileiro acabou mudando de nome.
Independente disso, o empresário tinha uma empresa de informática, e desenvolvia sistemas para seus clientes; portanto, sua situação estava garantida.
Um desses negócios paralelos era um mecanismo de busca registrado como altavista . com .br, seguindo a mesma linha questionável do domínio acima citado. O Altavista americano era um grande mecanismo de buscas, comparável ao yahoo e ao google (naquela época).
Quando um amigo meu (dono de uma antiga livraria de Curitiba) soube disso, quis imediatamente tirar o site da livraria do cadastro do mecanismo de busca, porque não iria nunca concordar com aquilo lá (sic).
Alguns dias depois, veio esse dono do altavista comentar comigo que “um cidadão está querendo DESCADASTRAR o tal site do altavista, veja só que absurdo”. Ri muito por dentro.
Cara, to ficando velho.
A AOL encerrou suas operações no Brasil em 2006, a livraria fechou em 2007, e o dono do provedor foi morar na França.