3.10.21

Aquele ruído da televisão

"Aquele ruído da televisão...", ou, uma história da ascensão e queda da minha audição.

Esse post foi escrito em fevereiro de 2020 e ficou na caixa de rascunhos durante todo esse tempo.

Agora vem à luz, com mais conteúdo do que antes. 


Primeira parte: como funciona a televisão


Figura 1 - Oh, my life is changing everyday, in every possible way...

Antigamente os aparelhos de televisão, devido ao seu funcionamento, quando ligados, produziam um ruído bem fininho, de 15734 Hz. O motivo disso é a frequência do retraço horizontal do feixe de elétrons do tubo de imagens. (Aqui explica uma parte.). Esse mecanismo todo, por envolver transformadores, bobinas etc, acabava fazendo certas partes internas vibrarem nessa frequência, e essa vibração era esse ruído de alta frequência.

Esse ruído era audível?

Bem, para mim era.

Para muita gente, não era. Ou então, era sumariamente ignorado, já que ninguém presta atenção em nada mesmo.

Mas guardem isso por enquanto.

Segunda parte: como funciona a cabeça das pessoas


Figura 2 - Headless and all alone...


Então a moda da TV a cabo veio à luz, e aquele rosário de súplicas maternas do tipo "sai da frente dessa televisão, vá brincar lá fora" deu lugar a "vamos lá na casa da tia fulana... tem televisão a cabo e você pode assistir um milhão de canais" (enquanto as madames faziam fofoca sem se preocupar com a integridade física dos meninos - muito menos a integridade mental).

E foi mais ou menos aí que eu comecei a desconfiar da sinceridade das pessoas, mas isso daqui é um blog, não um consultório. Vamos continuar com a música.


Terceira parte: a era perdida


Figura 3 - The precious moments are all lost in the tide, yeah


Estamos agora na década de 90. A década perdida. A década do Domingão do Faustão e da Banheira do Gugu.

E isso foi o que deu certo -- juntamente com as TVs a cabo e via satélite.

E uma das coisas que deu errado foram os canais de música, na TV via satélite. Tinha isso, gente.

Acho que tinha tanta largura de banda sobrando no satélite que eles resolveram, da maneira mais esdrúxula, ocupar com qualquer coisa.

Bom, até que era aceitável, mas eu duvido que alguém "assistisse". Alguém poderia deixar tocando "jazz", imagine só, na sala de espera de um consultório... mas contratar uma TV a cabo só pra isso? I don't think so.

Sinceramente, acho que nem os padrinhos dessa ideia acreditavam na viabilidade da mesma. Os canais eram denominados por estilo, tipo jazz, rock, clássica, mas, no fim das contas você ouvia o que eles queiram, e não o que você queria: Só música ruim, sem intervalos comerciais. Um tédio.

E ouvia também esse inconveniente apito de 15734 Hertz.

Era a década de 90, lembram? Não existiam as TVs de tela plana, imunes a esse ruído. Eram todas de tubo mesmo, até as boas.

Então acabou tendo essa mistura inadmissível de "música pela televisão" e "ruído de retraço horizontal de feixe de elétrons", o que, pra mim, era um dos mais graves insultos tecnológicos.

Uma barbárie.


Quarta parte: a minha paciência perdida


Figura 5 - Simulação de um tom puro de 15.734 Hz junto de um programa qualquer de televisão, que infelizmente caiu na triste irrelevância do... do que mesmo?

Pra mim era tolerável ouvir o apitinho durante um programa qualquer de televisão. Era até parte da experiência. Tipo aquele ruído da fita cassete, sabe? Ou a granulação do filme fotográfico.

Você passava na frente das casas e ouvia o aptinho. A denúncia inequívoca. O atestado de que alguém estava lá com o aparelho ligado. Podia estar varrendo a casa... passando roupas... preparando a comida... estudando pra prova de amanhã... você não tinha como saber isso. Mas tinha como saber que a TV estava ligada, isso era certeza.

Enfim, eu tolerava ouvir o apitinho quando assistia televisão, mas não tolerava o apitinho ao ouvir música.

Apitinho era coisa de televisão. Não de música.

Ouvir música pela televisão, definitivamente não rolava. Era um sacrilégio.


Quinta parte: sinais dos tempos

Agora vem a parte adicional prometida.

A parte triste.

Figura 6 - Aconteceu...


Lá por agosto de 2020, numa triste manhã de domingo, um zumbido nos ouvidos.

Pensei ser fruto de uma noite mal dormida, ou de uma noite muito dormida. Ou dos fones de ouvido, coisas do home office.

Bom, "Bem-vindo à época das surpresas dos tempos. Esse zumbido se chama tinnitus e vai te acompanhar pro resto da vida. Ele é amigo (primo distante, segundo fontes) da presbiopia". (Isso foi mero recurso literário. Ignorem.)

Ginkgo biloba ajuda um pouco. Tonturas e escotomas também vão embora.

Sinais dos tempos... Meu Deus.

Então, sabem aquele ruído que as televisões antigas produzem, de 15734 Hz, que era a evidência de um aparelho ligado nas imediações, que era parte do charme da sala de qualquer família, e também o sacrilégio supremo dos canais de música?

Ele agora me acompanha 24 horas por dia, 7 dias por semana.

É um inferno, gente. Um insulto divino. 

[Insira aqui três parágrafos de reclamações e injúrias aleatórias.]

Espero que não apareça mais nada... (vai nessa)